Tribunal das Mulheres é realizado durante o X FOSPA, em Belém

Tribunal das Mulheres realizado no X FOSPA. Crédito: Fran Ribeiro/SOS Corpo.

Ponto alto da programação feminista no auditório Benedito Nunes no último sábado, dia 30 de julho, no X Fórum Social Panamazônico, o Tribunal de Justiça e Defesa dos Direitos das Mulheres Panamazônicas e Andinas lotou a salão da universidade e repercutiu denúncias de depoentes de quatro países.

O Tribunal

O Tribunal das Mulheres é uma metodologia de luta dos movimentos feministas. A ideia é baseada na proposta do Grupo GALFISA e Instituto El Taller, foi lançada em 1997, e já foi realizada em diversos momentos importantes como em edições do Fórum Social Mundial na América Latina. 

“Os Tribunais de Mulheres são processos de caráter ético-político e simbólico propostos para sensibilizar e chamar a atenção para os danos sofridos por mulheres em várias esferas da vida, por tradições culturais, políticas e formas de vida patriarcais, discriminatórias e exploradoras, bem como para visibilizar à criatividade e cultura de resistência das mulheres”, segundo o grupo GALFISA. Além disso, buscam “divulgar em âmbito nacional e internacional as experiências de grupos e movimentos de mulheres que mostram as arestas pessoais, que são também políticas, da violência implícita nas várias civilizações patriarcais e cultura globalizada de lucro e poder do capital que foi imposto à humanidade”.

Em Belém

Nesta edição do Tribunal, realizada no X FOSPA, as ativistas Fanny Kaekat Utitiaj, indígena do Equador; Tuira Yanomami, indígena da Associação Hutukara/Brasil; Graça Brazão, da AMA-AP/AMB/Brasil; Maria Rosário Chicunte, da Colombia; e Juana Martínez Saenz, liderança campesina do Peru, depuseram sobre a situação dos direitos das mulheres em cada país e as recorrentes violações e impactos que as indústrias extrativistas causa nos territórios e em seus povos.

Tribunal das Mulheres realizado no X FOSPA. Crédito: Fran Ribeiro/SOS Corpo.

Fanny Kaekat, indígena do Equador, trouxe em seu depoimento os danos das atividades da mineradora CIA. A LOWELL-SOLARIS RESAURCES S.A., que atua na região amazônica equatoriana, destacando que os problemas trazidos pela mineração na região recai sobre as mulheres da comunidade, e atinge também as comunidades vizinhas. As mulheres se sentem afetadas ambientalmente, socialmente e culturalmente e “não nos sentimos seguras deixando nossos filhos em casa, porque os helicópteros da mineradora passam todos os dias”, contou Fanny.

Seu depoimento destacou que embora não existam dados concretos são visíveis, e conhecidos pela comunidade, a existência e aumento maciço de trabalho sexual em troca de dinheiro e emprego, de diversas violações sexuais de mulheres e menores de idade, aumento do alcoolismo e uso de substâncias psicotrópicas/entorpecentes, principalmente por jovens; Também apontou que há um abandono dos estudos formais, perda de pertencimento cultural e familiar, violência física e psicológica por familiares e trabalhadores da empresa.

Tribunal das Mulheres realizado no X FOSPA. Crédito: Fran Ribeiro/SOS Corpo.

Maria Rosário Chicunte trouxe o caso da empresa uma canadense que realiza exploração de cobre, zinco, ouro, prata e outros minerais no município de Mocoa, Putumayo – Colômbia. “As atividades desenvolvidas pela empresa Libero Cobre podem constituir os crimes de dano aos recursos naturais, contaminação por exploração de jazidas mineiras, exploração ilegal de jazidas mineiras e outros materiais, usurpação de águas, uso ilegal de recursos naturais, danos a recursos naturais e invasão de uma área de especial importância ecológica, de acordo com as declarações da Corpoamazonia”, colocou Rosário.

“As mulheres são sempre as mais afetadas por fatores sociais, espirituais e econômicos”. Rosário também apontou que em seu território houve aumento da militarização e a chegada de trabalhadores estrangeiros, o que gerou mais violência, estupros e exploração sexual de menores, trazendo mais prostituição e índices de uso de álcool e drogas, bem como de violência familiar, física, simbólica e moral contra mulheres.

Tuira Kopenawa Yanomami depondo no Tribunal das Mulheres realizado no X FOSPA. Crédito: Fran Ribeiro/SOS Corpo.

Ao dar seguimento aos depoimentos, o Tribunal convocou uma jovem indígena de Roraima: “Meu nome é Tuira Kopenawa Yanomami. Nasci em 1993, na comunidade Watoriki, Amazonas. Quando nasci já tinha garimpo na Terra Yanomami, em outras comunidades, em Roraima. Meu pai, Davi Kopenawa, sempre viajava para participar das lutas e ainda viaja”. O território Yanomami possui mais de 600 comunidades e do lado brasileiro são 373 comunidades indígenas distribuídas entre os estados do Amazonas e Roraima.

Em seu discurso Tuirá alertou para o perigo da realidade em que vive seu povo. “A Terra Yanomami está sob ataques no passado e no presente. Um território com meio ambiente devastado, rios contaminados por mercúrio, ameaças, mortes, assassinatos com requinte de crueldade e constante ataques à vida Yanomami e à sustentabilidade. Os Yanomami no Brasil, correram risco de serem totalmente dizimados”.

Desde 2016 o garimpo vem aumentando, a HUTUKARA – Associação YANOMAMI começou em 2018 o monitoramento da área destruída pelo garimpo e nos anos de 2020 e 2021 ultrapassou mais de 3 mil hectares. Tuira também enfatizou que as mulheres seguem sendo exploradas e forçadas a atividades sexuais: “falam do recrutamento de mulheres para esses serviços e para o trabalho de cozinheiras”. Também há relatos de que garimpeiros bêbados invadem as residências e assediam mulheres, “as mulheres não estão seguras em suas casas e nem ao redor de suas comunidades, enquanto houver garimpo, garimpeiros e seus capangas no território, os quais andam fortemente armados”.

Tribunal das Mulheres realizado no X FOSPA. Crédito: Fran Ribeiro/SOS Corpo.

No caso do Perú, denunciado por Juana Martínez Saenz, a mineradora Yanacocha foi responsável pelo vazamento de mercúrio ocorrido nos anos 2000 no município de Choropampa que tem uma população camponesa rural dedicada à agricultura familiar e atividades comerciais.

Estudos científicos afirmam que a principal via de exposição ao mercúrio é através da inalação de seus vapores. Cerca de 80% do do que é inalado é absorvidos pelos tecidos pulmonares e, quando chegam ao sangue, causam inúmeros danos, principalmente no sistema nervoso em desenvolvimento. Segundo Juana, a população local manifesta problemas respiratórios, insônia, irritabilidade, perda de memória, dores articulares, hemorragias nasais, casos de cegueira e dores renais intensas, sintomas encontrados em outras populações expostas ao mercúrio.

Ela também relatou que não há estudos atualizados sobre o impacto do mercúrio no corpo da população de Choropampa e que as mulheres tem sentido um impacto diferenciado com alterações hormonais, efeitos em sua saúde sexual e reprodutiva, alterações em seus períodos menstruais, abortos, partos prematuros, esterilização forçada, placenta prévia, distúrbios neurológicos, mialgia, defeitos congênitos, entre outros.

Outro depoimento que ecoou como um grito de socorro no Tribunal e destacou questões ligadas a ofensiva das invasões de terras, extrativismo e agronegócio foi o de Maria das Graças Santos Brazão, quilombola da Ilha Redonda, no Macapá-Amapá. Graça compartilhou sua denuncia e trouxe a história de sua família nessa disputa desigual, “meu pai morreu assassinado porque queriam invadir as terras, e minha mãe ficou triste e depressiva”.

Tribunal das Mulheres realizado no X FOSPA. Crédito: Fran Ribeiro/SOS Corpo.

Além dos cinco depoimentos principais, também foi ouvida a ativista Judite, do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB). As juízas designadas para o veredito final foram as ativistas Graça Costa, da FASE/AMB/Brasil; Givânia Silva, da CONAQ/Brasil; Concita Sompré, da FEEPIPA/ANMIGA/Argentina; e Luz Mary, Indígena da Colômbia.

A ação é inspirada nos Tribunais Éticos da Justiça e Defesa dos Direitos da Mulher Indígena, que impulsionam as denúncias sobre as injustiças socioambientais e a violação dos direitos às vidas, corpos e territórios das mulheres, com a violência, em suas diferentes manifestações, como resultado da ganância do projeto de vida baseado no sistema do capital racista, patriarcal e colonialista. 

A mediação ficou por conta da professora e militante feminista Eunice Guedes, do FMAP/AMB; e Denisse Chavez, da Iniciativa de Ação das Mulheres do Peru; e a relatoria com Rivane Arantes, do SOS/AMB; Maria Eugência Carrizo, do REPAM/Bolivia; Natália, da AMB/Articulação Feminista Marcosul; e Luzia, de MOCOA/Colômbia.

Tribunal das Mulheres realizado no X FOSPA. Crédito: Azânia Leiro/AMB BA.

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