Tribunal das Mulheres é realizado na 7ª Marcha das Margaridas

O Tribunal das Mulheres é um espaço de denúncias de graves violações aos territórios e corpos das mulheres. Em mais uma edição o Tribunal foi realizado na área internar do Pavilhão do Parque da Cidade, em Brasília, dentre as atividades da Marcha das Margaridas 2023. Ele teve como propósito a denúncia das diversas situações vivenciadas com a expansão do agro-hidro-negócio, das mineradoras, dos empreendimentos energéticos e as consequências nas vidas das mulheres.

Tribunal das Mulheres na Marcha das Margaridas 2023. Foto: Cris Cavalcanti/AMB.

Os Tribunais de Mulheres são processos de caráter ético-político e simbólico propostos para sensibilizar e chamar a atenção para os danos sofridos por mulheres em várias esferas da vida. Do ponto de vista ético, o testemunho significa respeito pelas experiências vividas, solidariedade para com aqueles que tornam visíveis e denunciam ao público todo sofrimento, afetação pessoal e coletiva e alternativas de resistência. O ato de testemunhar pressupõe credibilidade e fidelidade à realidade, expressando que a história de uma pode ser a de muitas mulheres.

Nesta edição o Tribunal foi organizado por mulheres da Contag, Articulação de Mulheres Brasileiras – AMB, Movimento Interestadual das Quebradeiras de Coco Babaçu – MIQCB, Marcha Mundial das Mulheres – MMM, Movimento da Atingidos por Barragens – MAB, GT Mulheres da Ana, SOS Corpo, Polo da Borborema e do Movimento Articulado de Mulheres da Amazônia – MAMA; e contou com juradas de referência no campo político, jurídico e de estudos sobre a questão, integraram o júri Deborah Duprat, Maria Emília Pacheco, Tchenna Maso, Célia Xakriabáque.

Tribunal das Mulheres na Marcha das Margaridas 2023. Foto: Layanne Alencar/AMB.
Tribunal das Mulheres na Marcha das Margaridas 2023. Foto: Cris Cavalcanti/AMB.

As mulheres denunciaram os impactos do modelo de desenvolvimento capitalista, predatório, destruidor da natureza e nefasto para a vida humana, que contamina o solo, a diversidade, os biomas e seus corpos. Durante o Tribunal elas destacaram a violência ao terem que sair de suas casas e de seus territórios para dar lugar às barragens e grandes empreendimentos que visam apenas lucro e condenam famílias ao empobrecimento.

“Vivemos o medo de ser acordadas na madrugada da lama. O terror das barragens em Minas Gerais tem deixado diversos locais em alerta. São verdadeiras bombas sobre nossas cabeças. Não há plano de reparação de direitos, plano de segurança. Só se planeja o lucro”, destacou Dalila, militante do MAB. Em sua fala ela também denunciou a falta de manutenção e fiscalização desses empreendimentos, bem como a falta de responsabilização das empresas. “A cada dia as empresas cometem mais crimes contra a vida das famílias. Carregamos a dor de ver nossa vida destruída para construir barragens que beneficiam interesses estrangeiros”, afirmou. Em 2010, o relatório da Comissão de Direitos Humanos apontou que o direito à vida só piora com a construção de barragens no Brasil.

“Alerta, alerta, alerta com a ofensiva da mineração no território amazônico”, foi assim que iniciou seu depoimento Nilde Souza da AMB. “Queria lembrar que a mineração está presente em quase todos os países da região amazônica. São várias atividades ilegais, ecocídio… São impactos para os povos indígenas e Yanomamis no Brasil. Não é possível salvar os povos da Amazônia sem impedir o avanço da mineração”. Nilde destacou que cerca de 20% da área que a bacia amazônica ocupava originalmente foi perdida para extração de ferro. Estima-se que existam 453 locais de mineração ilegal na Amazônia e isso tem causado graves impactos na saúde, devido a contaminação de peixes e seres humanos com mercúrio, provocando muitas doenças entre as mulheres como o câncer. 

Tribunal das Mulheres na Marcha das Margaridas 2023. Foto: Fran Ribeiro/AMB.

As denuncias trazidas comprovaram os danos causados pelas mineradoras, barragens e eólicas nas vidas das mulheres. Sobre o impacto trazidos pela instalação dos parques de energia eólica em diversas comunidades no Rio Grande do Norte, a militante da Marcha Mundial das Mulheres, Adriana destacou “fala-se de energia renovável, mas como é renovável, se impacta a vida das mulheres? As mulheres não têm direito de decidir se elas querem ou não esses parques em seus territórios. As crianças não brincam mais, os animais não têm onde pastar, e as mulheres perdem sua água potável, para consumo e para seus quintais produtivos”. Ela também alertou para as rachaduras nas casas provocadas pelas mega instalações e para o descaso das empresas e poderes públicos em resolver a situação. “Os parques aumentaram. Perdemos as cisternas. A gente não sabe a quem recorrer, fazemos audiências públicas, fechamos o acesso às comunidades por 3 horas… As empresas chegam e dizem que tem prejuízo. E nós dizemos: e nosso prejuízo, quem vai pagar?”, quetionou.

Em meio as denúncias também surgiu a questão dos agrotóxicos. Elisa Vieira, da Federação de Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais do Mato Grosso, trouxe o testemunho da situação de seu território. “No assentamento, a gente plantou batata doce, milho, veio o avião e matou tudo, porque o vizinho do lado tá lá, jogando agrotóxico no avião. Povos e comunidades sofrem e por isso fazemos apelo sobre a questão do agrotóxico”, colocou. Ela também questionou “Como vender na feira o produto que nem é mais orgânico porque está contaminado? Quem vai indenizar as lavouras destruídas?”.

Tribunal das Mulheres na Marcha das Margaridas 2023. Foto: Fran Ribeiro/AMB.

Temas como o desmatamento das florestas, a sustentabilidade das quebradeiras de coco babaçu, vidas afetadas pelos preços abusivos na conta de luz, água e gás, violência policial também fizeram parte das questões trazidas pelas mulheres durante o Tribunal. Ana Santos, do GT de mulheres da ANA, denunciou as brutais operações policiais, que tornam fuzis parte do cotidiano de comunidades, e as mortes diárias pelas mãos da polícia e da milícia.

Em meio a tantos crimes uma certeza, as principais atingidas são crianças e mulheres do campo, das florestas, das águas e das cidades. Por isso as vozes dessas diversas lutadoras se juntam a partir das denuncias e conclamaram “Nós mulheres queremos produzir vida, gerar bem-viver. Nós, mulheres, somos resistência pelos nossos corpos, nossas vidas, nossas comunidades!”.

Tribunal das Mulheres na Marcha das Margaridas 2023. Foto: Fran Ribeiro/AMB.

Em defesa dos territórios e da natureza, queremos justiça!

Ao final dos depoimentos das testemunhas, as juradas Deborah Duprat, Maria Emília Pacheco, Tchenna Maso e Célia Xakriabá deram o veredicto: condenaram o Estado brasileiro como culpado por não promover projetos de desenvolvimento econômico com participação social e que sejam aptos a enfrentar desigualdades e injustiças históricas.

Tribunal das Mulheres na Marcha das Margaridas 2023. Foto: Fran Ribeiro/AMB.

Destacaram a obrigação, em qualquer empreendimento, de ser realizada uma consulta prévia, livre e informada aos povos e territórios impactados, não valendo as consultas em que a empresa ou governos provoquem divisões na comunidade.

Consideraram o Estado brasileiro culpado por uma falsa política de segurança pública que é racista, privatizada e impede crianças e jovens de estudarem, crescerem, terem lazer e sobreviverem.

Também foi repudiado pelo juri o projeto de lei 6.299/2002 – o PL do veneno – sendo defendido uma política nacional de redução de agrotóxicos, que produzam efeitos nos corpos, nas águas, nos territórios e que não se distanciem da construção da soberania alimentar e nem neguem o direito humano à alimentação e à vida. Foi aprontado que tais crimes, de desgaste ambiental e dos povos, precisam ser reconhecidos como crimes de ecocídio. 

“O Estado favorece empresas em detrimento de direitos culturais, territoriais, das comunidades, flexibiliza direitos dos povos indígenas e das comunidades tradicionais e silencia os povos e populações. Diante disso o Estado Brasileiro é culpado e deve reparar tais danos a vida de todas as mulheres”, decretou o juri ao final da atividade.

Tribunal das Mulheres na Marcha das Margaridas 2023. Foto: Fran Ribeiro/AMB.
Tribunal das Mulheres na Marcha das Margaridas 2023. Foto: Fran Ribeiro/AMB.
Tribunal das Mulheres na Marcha das Margaridas 2023. Foto: Fran Ribeiro/AMB.

Texto de Emilly Marques e Cris Cavalcanti com base na relatoria de Verônica Ferreira. Este conteúdo é parte da Cobertura Popular Feminista Colaborativa realizada pela Coletiva de Comunicação AMB, organizada especialmente para à 7ª Marcha das Margaridas.