Repressão policial no Recife acaba em tragédia e levanta a questão, quem deu a ordem para o ataque?
Se somando aos esforços de denúncia aos crimes cometidos pela Polícia Militar de Pernambuco no dia 29 de maio, na manifestação ocorrida no centro do Recife, o Fórum de Mulheres de Pernambuco – FMPE construiu um Dossiê que reúne a sequência dos fatos que ocorreram na manhã do ataque.
O FMPE destacou em suas redes sociais que operações como a ocorrida no dia 29, evidenciam a seletividade racista e político-ideológica da violência praticada pela polícia. Também enfatisa que foram disseminadas mentiras por perfis policiais nas redes sociais e por conservadores, mas que as imagens reunidas em dossiê provam que a violência partiu da PM, de maneira unilateral.
Confira abaixo trechos do dossiê
“Desde o momento da convocação das manifestações, todas as organizações e entidades reafirmaram seu compromisso com a defesa da vida e portanto, com a necessidade de respeitar as medidas de segurança sanitária. O uso de máscaras PFF2/N95, distanciamento entre as pessoas e a higienização das mãos durante os atos foram amplamente divulgadas nos mais diversos meios de comunicação. No Recife a concentração foi marcada para às 9h na Praça do Derby. Durante o início da manhã, manifestantes se reuniram na praça, onde também se encontravam dois carros de som, através dos quais foram realizadas falas de representantes dos mais diversos movimentos sociais, assim como foram dadas orientações de segurança sanitária. (…)
Quando os manifestantes chegaram à Avenida Guararapes, se depararam com um bloqueio do batalhão de choque da PM antes da Praça do Diário. Diante de tal fato inesperado, as pessoas encerraram a caminhada ainda no cruzamento da Av. Guararapes com a Rua do Sol, longe do bloqueio. Algumas pessoas ficaram paradas no cruzamento e outras seguiram para as saídas laterais, a fim de dispersar a manifestação.
O grupo que estava no cruzamento iniciou um jogral para encerrar o ato e orientar a dispersão com segurança. Nesse momento, dois participantes foram detidos. Um deles afirmou que foi abordado pelos policiais enquanto simplesmente passava ao lado da barreira. Além disso, uma das advogadas que se encontrava no final do ato e tentava dialogar com a PMPE foi agredida por um dos policiais. Diante da agressão e prisões arbitrárias se iniciou um pequeno tumulto. Nesse momento, os policiais que estavam na Avenida Guararapes avançaram em direção aos manifestantes atirando balas de borrachas e bombas de gás lacrimogêneo. Outro grupo de policiais avançou pela Rua da Aurora, também atirando e lançando
bombas, encurralando os manifestantes nos dois lados da ponte. (…)
Ainda que as e os manifestantes não tivessem oferecido resistência, a PM seguiu soltando bombas de gás e tiros de borracha indiscriminadamente, atingindo diretamente pessoas que estavam presentes. Algumas delas sequer eram manifestantes, como é o caso de Daniel Campelo, que trabalha com adesivagem de carros e estava na região central da cidade para comprar material. A ofensiva dos policiais em cima de transeuntes que não estavam na manifestação revelam que os tiros não buscavam responder a ataques de manifestantes, os quais não existiram, mas sim atirar para ferir e aterrorizar os manifestantes. O fato da Ponte Duarte Coelho estar quase vazia neste momento revela que o tiro em Campelo não foi acidental, tampouco reflexo de nervosismo por parte dos policiais já que não houve resistência. A gravidade do ferimento de Campelo, que ficou cego, é mais um elemento que demonstra que os policiais miravam diretamente nas pessoas. Um grupo de pessoas foi em seu socorro e mesmo assim a polícia seguiu atirando e jogando bombas. (…)
A violência e perseguição dos policiais prosseguiu por cerca de 2 horas. As bombas, balas e gás de pimenta avançaram pela Ponte Duarte Coelho, Rua do Sol, Ponte Princesa Isabel, Rua da Aurora e Avenida Conde da Boa Vista, únicas rotas de fuga da população encurralada pela violência e arbitrariedade policial. Mesmo após a dispersão dos manifestantes, os policiais soltaram bombas pelas redondezas do ato, inclusive em paradas de ônibus e em pessoas que não participavam da manifestação. Diversos manifestantes relataram que foram perseguidos pelos policiais militares, que impediam os manifestantes de dispersarem com tranquilidade. (…)
A ação truculenta da PM obedeceu a uma ordem, pois as imagens mostram o grau de planejamento e o tempo de duração. Não se tratou de espontaneidade de policiais desequilibrados. O que ocorreu no último dia 29 foi um grave ataque aos direitos fundamentais à vida, à livre manifestação do pensamento e portanto, ao estado democrático de direito. De acordo com as prerrogativas constitucionais, o comando das forças policiais é de responsabilidade do executivo estadual. Na noite do ocorrido o Governador Paulo Câmara veio à público informar seu desacordo em relação à ação. A Vice-governadora Luciana Santos também se pronunciou afirmando que a ação ocorreu sem ordens do Governo do Estado. Se isto é verdade, a situação da Polícia Militar de Pernambuco é grave e requer medidas à altura. (…)
É importante reafirmar que durante todo o ato, o Major Monteiro afirmou estar cumprindo ordens do Secretário de Defesa Social. Esta informação também precisa ser apurada com urgência. Se isso for verdade, o Secretário precisa ser exonerado imediatamente, pois representa um risco à população e à democracia. Se a Polícia Militar atacou a população sem a anuência do Governador e do Secretário de Defesa Social, estamos diante de um motim, o que significa que houve violação dos deveres policiais-militares, sendo a atuação da tropa configurada por crimes e transgressão disciplinar.
É necessário que haja punição exemplar, com a exoneração imediata do Comando da PM e do Comando do Choque, dadas as suas evidentes incapacidades para o exercício das funções policiais-militares. Os policiais militares envolvidos na execução das ordens também precisam ser investigados, dado o evidente excesso de uso da força, configurando devida também a punição aos inferiores. O ocorrido precisa ser investigado com urgência. Os responsáveis devem ser punidos com exoneração e, nos devidos casos, prisão, já que se tornaram uma ameaça à sociedade, à segurança pública e à democracia.”