NOTA – Que governo é esse que diz defender a maternidade, mas ataca direitos e ameaça a vida?

Basta de matança, mentiras e políticas irresponsáveis! Queremos Justiça Reprodutiva! 

Nós, organizações abaixo assinado que compomos a Frente Nacional Contra a Criminalização das Mulheres e pela Legalização do Aborto, vimos a público manifestar – mais uma vez -, nosso repúdio várias medidas do governo brasileiro e seus poderes, que de forma cada vez mais intensa e direcionadas, atentam contra direitos sexuais e reprodutivos das mulheres e pessoas que gestam, mas também contra a vida, principalmente de mulheres negras, indígenas e pobres.

Recentemente, em nota, a Frente denunciou e demonstrou, assim como várias outras organizações e pessoas o fizeram, a falácia da proposta do Senador Eduardo Girão (Podemos-CE), o PL 5435, que por trás de uma suposta proteção da gestante e à maternidade, visava impedir a interrupção da gestação em qualquer circunstância já garantida na Lei. Afirmamos que a verdadeira proteção dos direitos de gestantes já está prevista e afirmada na Política de Atenção Integral à Saúde das Mulheres e nos vários Programas voltados ao pré-natal, parto e nascimento, na Política de atenção à saúde da criança, na Política de Atenção à Saúde da População Negra, na legislação sobre o SUS e em várias Normas Técnicas e protocolos do Ministério da Saúde. Leia a nota completa “ABAIXO AO PL 5435/2020 aqui!

Também rechaçamos a consulta pública lançada em 5 de abril, pelo General Luiz Eduardo Ramos, alçado a Ministro de Estado chefe da Casa Civil da Presidência da República, sobre um suposto estatuto de defesa do nascituro, ligado a uma campanha sobre ‘riscos do aborto’, proposta que recebe nosso mais completo repúdio por três razões principais aqui elencadas: 

– É sabido que os riscos do aborto são decorrentes da sua criminalização que empurra muitas mulheres e meninas, principalmente negras e pobres, para práticas inseguras, enquanto dados científicos e relatos de profissionais de saúde atestam que um aborto no sistema de saúde é mais seguro que uma cesariana. 

– Porque não reconhecemos num general, formado para coordenar ações militares, legitimidade para liderar qualquer consulta ou debate no que tange aos assuntos de uma Casa Civil e muito menos relativas às questões reprodutivas da vida humana.

– Porque defendemos que o Estado brasileiro assuma com seriedade e responsabilidade o seu papel na construção e pavimentação de condições para que o SUS atenda de forma humanizada, integral e universal a todas as mulheres, do pré-natal ao parto e puerpério, no acesso ao aborto legal e aos métodos contraceptivos, na proteção da infância. Infelizmente o que temos visto é a falta de leitos nas maternidade próximas à moradia, com a falta de UTIs neonatais e adultas, para acolher gestantes e bebês quando necessário na mesma unidade de saúde, questões que têm agravado a morte materna em tempos de pandemia do covid-19  e que nos torna o país em que mais morreram gestantes no mundo por covid-19.. 

E, recentemente, para corroborar as falácias que envolvem sua micropolítica –  violando compromissos constitucionais -, novamente esse governo através do Ministério da Saúde,  demonstra que ao invés de cuidar da saúde e da vida das mulheres, quer ampliar o controle eugênico e racista de nossos corpos violando nossa saúde sexual e reprodutiva, ao publicar a Portaria  n. 13/2021, SCTI – MS. Essa Portaria valida a incorporação de “implante subdérmico de etonogestrel na prevenção da gravidez não planejada para mulheres em idade fértil: em situação de rua; com HIV/AIDS em uso de dolutegravir; em uso de talidomida; privadas de liberdade; trabalhadoras do sexo; em tratamento de tuberculose em uso de aminoglicosídeos, no âmbito do Sistema Único de Saúde – SUS”. A Portaria se volta a serviço do controle de natalidade de um grupo populacional específico – mulheres negras, indígenas e pobres – o que se apresenta como promoção de práticas eugênicas, racistas e coloniais que persistem na atualidade com protagonismo do Estado brasileiro e de empresas farmacêuticas internacionais.    

Ao propor implante intradérmico para grupos específicos que vivenciam o racismo patriarcal cisheteronormativo e/ou que estão em situação de vulnerabildiade social e econômica ou já são estigmatizados, como mulheres privadas de liberdade e mulheres trabalhadoras do sexo, o Ministério da Saúde viola um dos princípios fundamentais que regem o SUS, o da Universalidade, afronta a preservação da autonomia das pessoas e a igualdade da assistência à saúde sem preconceitos, conforme previsto no artigo 7º da Lei Organica de Saúde. 

Vale lembrar que essa Portaria recém publicada despreza a orientação do próprio Ministério da Saúde que, em 2006, publicou a cartilha “Direitos sexuais, direitos reprodutivos e métodos anticoncepcionais”, onde reafirmou compromissos assumidos pelo Estado brasileiro, nacional e internacionalmente, como:

– Direito das pessoas de decidirem, de forma livre e responsável, se querem ou não ter filhos, quantos filhos desejam ter e em que momento de suas vidas.

– Direito a informações, meios, métodos e técnicas para ter ou não ter filhos.

– Direito de exercer a sexualidade e a reprodução livre de discriminação, imposição e violência.

A vigência da Portaria nº 13/2021 do MS, agrava um cotidiano de barreiras para a realização dos direitos sexuais e reprodutivos, que incluem dificuldades em acessar informações sobre saúde sexual e reprodutiva nas Unidades Básicas de Saúde para o exercício do consentimento informado, livre e esclarecido por estas mulheres e pessoas que gestam, posto que frequentemente são vítimas da expressão institucional do racismo patriarcal cisheteronormativo e dos fundamentalismos.

Caso este governo estivesse preocupado em promover a saúde de mulheres e pessoas que gestam, implementaria medidas para o efetivo acesso universal aos métodos contraceptivos nas Unidades Básicas de Saúde – UBS, enfrentaria o racismo institucional que obsta a atenção em saúde sexual e reprodutiva, qualificaria as/os profissionais da ponta para que todas as meninas e mulheres fossem indistintamente acolhidas e informadas sobre métodos disponíveis.

Por isso, num cenário de intensos ataques às nossas vidas e saúde, frutos da crescente opressão reprodutiva, tanto no âmbito do Poder Legislativo quanto do Executivo, em todos os níveis de governo, acirrado pelas desigualdades raciais, sociais e de gênero no país, repudiamos, qualquer ato que vise desrespeitar populações e grupos direcionados através de medidas eugênicas de controle populacional.

Exigimos o basta às medidas de ingerência, controle e prejuízo à saúde e vida consolidadas no racismo patriarcal cisheteronormativo e em seu projeto de dor e de morte: que ora na saúde sexual e reprodutiva se expressam com medidas como decreto 10.531/2020, o PL 5435 ou a portaria n. 13/2021 – MS; ora na segurança pública se expressam em chacinas como a do Jacarezinho, na cidade do Rio de Janeiro – RJ, em 6 de maio de 2021 (vésperas do dia das mães), quando agentes do estado mataram 27 pessoas e aterrorizaram toda a favela com o massacre. Nossos gritos se somam por Justiça!   

Assinam a nota:

  1. Anis – Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero
  2. Articulação de Mulheres Brasileiras
  3. Associação Juízes para a Democracia
  4. Associação Portal Catarinas
  5. Católicas pelo Direito de Decidir
  6. CEPIA – Cidadania, Estudo, Pesquisa, Informação e Ação
  7. CFEMEA – Centro Feminista de Estudos e Assessoria
  8. CLADEM – Comitê da América Latina e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher
  9. Coletiva MULEsta
  10. Coletivo Autônomo Feminista Leila Diniz
  11. Coletivo Feminista Sexualidade e Saúde
  12. Coletivo Margarida Alves
  13. Conselho Federal de Serviço Social (CFESS)
  14. CRIOLA
  15. Cunhã Coletivo Feminista
  16. Central Única dos Trabalhadores
  17. Diretoria de mulheres da União Nacional das e dos Estudantes (UNE)
  18. Grupo Curumim
  19. Grupo de Mulheres Lésbicas e Bissexuais Maria Quitéria
  20. LBL – Liga Brasileira de Lésbicas
  21. Marcha Mundial das Mulheres
  22. Rede de Assistentes Sociais pelo Direito de Decidir
  23. Rede Médica pelo Direito de Decidir
  24. Rede Nacional de Feministas Antiproibicionistas
  25. REDEH – Rede de Desenvolvimento Humano
  26. Secretaria Nacional de Mulheres do PT
  27. Setorial Nacional de Mulheres do PSOL
  28. SOF – Sempreviva Organização Feminista
  29. SOS Corpo – Instituto Feminista para a Democracia
  30. TamoJuntas – Assessoria Multidisciplinar Gratuita para Mulheres em Situação de Violência
  31. União Brasileira de Mulheres