Mulheres Guardiães dos Saberes e da Resistência
Por Francinalda Maria Rodrigues*
Ser guardiães dos saberes históricos e de lutas que as feministas de nossa ancestralidade nos confiaram é uma simbologia forte, identidade e sinal de respeito sagrado com o que cada mulher construiu para que chegássemos onde nos encontramos hoje. Uma caminhada longa que precisou coragem para romper com as ideias machista, misógina, patriarcal, racista, heteronormativa e capitalista. Com a fala potente das mulheres se tem denunciado as desigualdades sociais, econômicas, ambientais e as injustiças que interferem na conquista dos nossos direitos. Assim, o Movimento Ibiapabano de Mulheres (MIM) prossegue em sua caminhada com as parcerias que lhe fortalece.
Com um ano de apoio do Projeto “Mulheres construindo sustentabilidade para uma vida sem violência” pelo Fundo Casa Socioambiental foi possível refletir sobre as diferentes ações que o MIM desenvolve, bem como fortalecer as lutas e as resistências de nossa caminhada.
Alimentos saudáveis: enriquecem nossa força
No cirandar de nossas bandeiras fomos alimentadas pelo cuidado com a Mãe Terra, em contato com o solo fizemos descobertas e aprimoramos o Bem Viver. Mulheres passaram a observar, plantar, colher e viver dos frutos que a natureza proporcionou, em uma rica existência. A distribuição das cestas e o trabalhar com a horta propiciou aprendizado e mudança de vida, bem como a soberania alimentar. Reconhecemos que é um processo que exige trabalho coletivo, mas verificamos que a transformação pessoal em cada mulher que esteve presente no trilhar da alimentação saudável foi um marco forte para mudança de hábito alimentar.
Durante esse período aconteceu um autoacolhimento e aprendizado para reaprender a viver em meio à pandemia com saúde. A horta também propiciou ampliação dos conhecimentos sobre as Plantas Alimentícias Não convencionais, as conhecidas PANCs, que podem estar em nossa alimentação sem custo e ricas em nutrientes.
Foram muitas partilhas de alimentos e conhecimentos com o que foi produzido na horta. Aprender fazer compostagem, deixar o solo coberto, que tipos de alimentos poderão ser plantados juntos e muito mais. Cuidar das plantas, cuidar de si e cuidar da outra no momento certo. Enfim, o hábito de refletir sobre a importância de ter uma alimentação saudável, sem veneno, comer verduras e hortaliças plantadas com suas próprias mãos, regar as plantas, como produzir e fazer florescer. Tudo isso, são atos de amor e reverência a nossa ancestralidade feminina, pois acreditamos que sem feminismo não há agroecologia.
A comunicação ocupou os espaços de fala das mulheres
Durante o período da pandemia não era possível silenciar, pois foi no silêncio e isolamento em muitos lares que se agravou a violência doméstica contra as mulheres. Elas passaram a sofrer agressões e se sentiam sozinhas. O MIM utilizou de diversas formas de comunicação para se aproximar cada vez mais. As rodas de escuta ativa “De Muié pra Muié “propiciava o auto acolhimento e também a oportunidade de manifestar que “ninguém solta à mão de ninguém.
Vimos que as mulheres passavam e passam por desafios que precisam ser superados, como: assédio moral e sexual, de ser mulher adolescente, não ser aceita ao trabalhar com homens, a romantização da carga e do salário pago ao trabalho feminino, dentre outros. No entanto, a mulher é feliz por ser mulher porque “amo ser útil para sociedade. Descobrir que juntas somos mais fortes, pois somente pensando em todas é que conseguiremos dar continuidade às lutas de outras mulheres que vieram antes de nós”, afirma uma das participantes do projeto. Outras comentaram que “pelo trabalho, a necessidade de ocupar o espaço que gosta de estar, ensinando, pesquisando, poder ser livre, a capacidade de vencer obstáculos, somos fortes por sermos mulheres e por conquistarmos os nossos espaços. Provamos que sabemos lutar e conquistar o respeito por ser mulher em todos os ambientes”.
Dentre os espaços ocupados por nossas falas fizemos uso do Google meet para roda de escuta ativa. Foram elaborados cards, panfleto, boletins, podcast e uma cartilha que proporcionasse reflexão e chamamento para que mais mãos pudessem segurar nossas bandeiras de luta feministas e avançar na defesa das mulheres.
Cartilha Saberes e Sabores: preservar nossa história e memória
A finalização do projeto com o apoio do Fundo Casa marca positivamente uma jornada que permitiu avanços em nossos propósitos, com espaços de formações e de escuta ativa virtual contínua junto às mulheres que participaram. Foram espaços de aprendizado com atuação na horta, oficinas, palestras e alimentos saudáveis, além de reflexões sobre os próximos passos do MIM, por meio de um plano de sustentabilidade e diagnóstico de atuação.
Para fechar esse ciclo de aprendizado estamos lançando a cartilha que apresenta a memória afetiva das mulheres por meio de receitas, tendo como base os conhecimentos das mulheres que fazem parte da nossa história de vida, as mulheres de nossa história, que chamamos carinhosamente como as guardiães dos saberes e dos sabores.
Sabemos que as mulheres são invisibilizadas pelo fato de não gerarem dinheiro com venda da produção, quando ela está destinada ao consumo familiar. Historicamente, as mulheres são as “guardiães das sementes” e dos saberes, carregando consigo a questão cultural e garantindo a sustentabilidade alimentar.
O MIM tem a honra de compartilhar a cartilha “Guardiães dos saberes e dos sabores afetivos: alimentos compartilhados pela ancestralidade feminina”, como forma de resgatar e preservar a memória dos saberes e sabores das mulheres que fazem parte da nossa história. Uma forma também de levantar a bandeira de luta contra as diferentes violências que as mulheres são acometidas diariamente.
Gratidão às mãos que apoiam nossas lutas
O Movimento Ibiapabano de Mulheres (MIM) integra o Fórum Cearense de Mulheres (FCM) e a Articulação de Mulheres Brasileiras (AMB). Reconhecemos que para avançar precisamos de muito mais mãos que nos ajudam a segurar e ousar nos enfretamentos dos desafios.
Assim, gostaríamos de ressaltar a grande parceria da Escola de Formação Política e de Cidadania (ESPAF) que, com sua experiência, vem nos apoiando e ensinando a direcionar questões formativas para galgar espaços de defesa dos direitos e também destacamos, em especial, o Fundo Casa Socioambiental por estar junto na defesa dos direitos das mulheres.