Manifesto – Em defesa da vida: dizemos não à exploração de Petróleo na Bacia da Foz do Rio Amazonas!

O Brasil é um dos 17 países megadiversos, que são nações cujos territórios guardam 70% da biodiversidade do globo. Sendo “biodiversidade” o termo que descreve a “variabilidade de organismos vivos de todas as origens, compreendendo, dentre outros, os ecossistemas terrestres, marinhos e outros ecossistemas aquáticos, e os complexos ecológicos de que fazem parte”. Seis desses países têm partes de seus territórios dentro do bioma Amazônia, uma das regiões mais biodiversas do mundo.

A Amazônia se expande pelo território de nove nações, constituindo um mosaico de ecossistemas naturais sóciobiodiversos, onde seus povos ocupam campos, cidades, florestas, rios, lagos e maretórios. Assim estabeleceram, há milhares de anos, uma relação de troca com o meio ambiente que fez da Amazônia um grande “pomar” no passado. No entanto, as intensas transformações no mundo natural causadas pelas atividades humanas têm consequências que se manifestam de modo desproporcional entre os que realmente executam práticas predatórias e aqueles que vivem sob o peso da exploração dos recursos e da sua força de trabalho. Além de excluídos dos benefícios e lucros advindos do modelo de desenvolvimento insustentável da sociedade capitalista, somos ainda permantemente vítimas das consequências de suas ações.

As populações tradicionais anunciam a “queda do céu” e os cientistas a 6ª extinção em massa da biodiversidade em meio à crise ecossistêmica, evidenciada hoje pela emergência climática e o declínio da biodiversidade. O Futuro é Ancestral, mas atualmente vivemos de passado, de escolhas que já se mostraram ameaças no presente e constroem a perspectiva de exterminação do futuro. O uso de combustíveis fósseis pelas sociedades humanas apesar de ter servido ao desenvolvimento e a sobrevivência por vários séculos, há algum tempo ultrapassou o balanço de perdas e ganhos para a vida, tornando-se uma séria ameaça socioambiental.

Somos testemunhas de que a lógica de invasão e exploração de recursos naturais e humanos provindo dos invasores imperialistas se mantém até hoje, pela violência e opressão das populações locais, ameaçando nossos modos de vida sustentáveis e destruindo nossos ecossistemas naturais. 

Não aceitaremos pacificamente continuar sendo vítimas do racismo ambiental que submete os mais pobres e principalmente, povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais às mazelas consequentes dos desequilíbrios ambientais, causados pela distribuição injusta dos recursos e riscos ambientais, o que causa verdadeiras zonas de sacrifício. A Amazônia brasileira tem sido condenada a uma mera produtora de commodities e reserva mundial de recursos, não podemos mais aceitar ser a zona de sacrifício de um sistema que privatiza os lucros e socializa os prejuízos.

O projeto de licenciamento para a exploração de petróleo do bloco fz-M-59 representa um contrassenso científico às recomendações para transições de matrizes energéticas e descarbonização das economias. Estas visam a redução de emissões de carbono o mais breve possível, sob alertas da possibilidade de tragédias sistêmicas, derivadas do aquecimento das águas e da atmosfera nas próximas décadas. Além disso, ocorre desconhecimento da maior parte das populações que podem ser prejudicadas pelas atividades de exploração à revelia das orientações científicas que alertam para a falta de dados que comprovem a segurança da atividade em uma região sensível e em grande parte desconhecida, quanto à biodiversidade.

Os últimos quatro anos transformaram o Brasil em um péssimo exemplo de proteção ao seu povo e seus biomas, em especial a Amazônia e o Cerrado que estabelecem uma relação importante para o equilíbrio das chuvas no país e na regulação climática do mundo. O fim do governo ecocida e genocida de Bolsonaro e a retomada e fortalecimento dos órgãos de fiscalização e proteção ambiental animaram nossas esperanças de novos tempos.

Apesar disso, o que temos acompanhado são indicações de que governos, federal e estaduais, serão tão negacionistas científicos e violentos quanto o anterior no que tange ao meio ambiente. Até então, seguem ignorando o diálogo e as consequências para as populações brasileiras da exploração de recursos naturais e a manutenção de um modelo de desenvolvimento econômico predatório. O parecer técnico do Instituto Brasileiro de Meio ambiente e dos Recursos Renováveis recomendou a negativa do Governo Federal ao pedido de autorização da exploração pela empresa brasileira, mas de capital compartilhado com empresas privadas, a Petrobras.

A margem equatorial do litoral brasileiro é rica em peixes, onde se situa 80% dos manguezais do país, com hidrodinâmica e leitos de rio pouco estudados pela ciência, especialmente na foz do Rio Amazonas, em um mosaico de zonas úmidas complexas e sensíveis cruciais para a sobrevivência das pessoas e outros seres vivos. O alerta de cientistas aponta incertezas sobre o que aconteceria em qualquer acidente, uma vez que as modelagens hidrodinâmicas não levam em consideração as hidro e morfodinâmicas costeiras. Há 11 anos, uma sonda foi arrastada ao tentar uma perfuração, e os efeitos diante das lacunas sobre a biodiversidade. Em 2016, os grandes Recifes Amazônicos foram descobertos e ainda se desconhece sua capacidade de reter carbono, necessitando mais estudos a respeito, principalmente pela sua raridade sendo os únicos no mundo registrados em águas profundas. No Amapá e no Pará, tem-se também o desafio da defesa dos territórios e maretórios indígenas, quilombolas, de comunidades tradicionais e das unidades de conservação da região.

No dia 17 de maio, o órgão negou a licença de exploração com preocupações sobre lacunas no projeto em “área de alta vulnerabilidade sócioambiental”, Os discursos dos mandatários estaduais do Pará e Amapá mudam conforme o vento dos recursos financeiros, ora defendem a exploração de petróleo com o governo federal, ora discursam internacionalmente em “defesa da Amazônia” visando recursos do fundo Amazônia. A manifestação do Senador líder do governo no Congresso Federal nos espanta, se defendesse a participação dos povos amazônidas levaria em conta a reivindicação dos povos indígenas do Oiapoque.   A barragem de Belo Monstro, por exemplo, é testemunha do que acontece quando o lucro é colocado acima da vida, quando comunidades locais são oprimidas e cientistas ignorados. Uma licença do IBAMA é suficiente para barrar qualquer exploração, apesar de apoiarmos a referida decisão consideramos ainda a avaliação limitada às áreas de impacto imediato, desconsiderando os efeitos amplos na sociobiodiversidade da região, especificamente em uma região onde a pesca e o extrativismo são a base do sustento das populações locais.

Reivindicamos que os povos indígenas, quilombolas, comunidades tradicionais e populações locais sejam ouvidas e partícipes importantes nas decisões, com o direito à autoaplicação de protocolos de consulta prévia, livre, informada e com direito a veto, respeitando a Convenção 169 da OIT. E ainda, que as populações amazônicas sejam representadas e protegidas por aqueles que elegemos. Defendemos nas urnas um projeto de proteção ao meio ambiente e aos territórios e maretórios de grupos sociais que historicamente têm sido subalternizados, com criação de alternativas de desenvolvimento, incluindo novas matrizes energéticas.  Se a escolha fosse genocídio e ecocídio teríamos optado por outro projeto político. 

Não aceitamos que nossas vidas sejam tratadas como insignificantes e nem como se as vidas dos demais seres que habitam as águas e as florestas nos mais variados ecossistemas amazônicos sejam tratados como meros entraves ao desenvolvimento. Desenvolvimento para quem? A que custo? Para o lucro de quem?

Os povos amazônidas são também o que forma a Amazônia, somos muitas e diversas amazônias. Somos vidas na floresta, no campo, nas cidades e nas águas, e vamos defendê-las. Nada sobre nós, sem nós!