Carta de Posição AMB sobre as Eleições 2022. Confira;
Nós, mulheres da Articulação de Mulheres Brasileiras, reunidas em Plenária Nacional ocorrida na cidade de Recife/PE, entre os dias 19 e 21 de agosto de 2022, vimos, por meio desta Carta Política, nos posicionar frente à conjuntura nacional, nesse ano desafiador em que ocorrerão eleições para os governos federal e estaduais e para representantes nas assembleias estaduais, na Câmara dos Deputados/as e Distrital e no Senado.
Como uma articulação feminista antirracista, antipatriarcal e anticapitalista, diante do cenário de crise profunda, e após seis anos dos desgovernos golpistas e fascistas de Temer e Bolsonaro, nos posicionamos de maneira intransigente pela defesa da democracia, na luta pela derrota de Bolsonaro e do bolsonarismo, assim como manifestamos apoio à candidatura de Luiz Inácio Lula da Silva. Essa defesa se dá por entendermos como fundamental a derrota de Bolsonaro e a necessidade de enfrentamento ao fascismo encarnado pelo seu desgoverno, que protagonizou uma das piores gestões da pandemia da COVID-19 no mundo, sendo responsável pelo genocídio de quase 700 mil pessoas no país! Um desgoverno que adota uma política sistemática de produção e valorização do ódio, promove deliberadamente o empobrecimento da população, privilegia o lucro em detrimento da vida e atua negando os direitos das mulheres da classe trabalhadora e do povo preto e indígena do país!
Ressaltamos que nosso apoio se dará acompanhado da reafirmação e da defesa intransigente das nossas pautas e lutas! Assim, consideramos fundamental e inegociável:
O enfrentamento do racismo estrutural e do encarceramento e genocídio da população negra e indígena desse país
Nos últimos anos, vivemos inúmeros retrocessos na salvaguarda de direitos duramente conquistados, sobretudo com a implantação de uma política de genocídio da população negra e indígena! Assistimos aodesmonte dos serviços públicos e suas consequências, pois a falta desses serviços levou à morte dessa população, seja pela precarização do SUS, pela falta de vacinas no contexto da pandemia ou pela política de morte da polícia!
Voltamos ao processo de política de embranquecimento no país, com uma exploração e genocídio cada vez maior da população negra e indígena! Não suportamos mais a violência contra nós e contra nossos filhos! Reafirmamos a defesa de um pacto pela vida do povo preto, dos povos originários e tradicionais e pelo fim da intolerância e do racismo religioso contra as religiões de matriz africana!
Pautamos também a defesa do desencarceramento em massa da população negra, do compromisso com o antirracismo e contra a política de enfrentamento às drogas, pautando a descriminalização e a legalização!
Luta pela justiça socioambiental e pela defesa intransigente do território dos povos originários do campo das florestas e das águas
Vivemos num país com dimensões continentais que, em toda a sua diversidade de ecossistemas, deve ser pensado de forma igualmente diversa. Portanto, nos posicionamos em defesa dos territórios, das diversas Amazônias e dos povos originários e denunciamos os impactos da mineração e do extrativismo na vida desses povos, sobretudo das mulheres!
Reafirmamos nossa luta por Justiça Socioambiental! Os territórios são os lugares da nossa vivência e é neles que vamos discuti-la. Estamos ao lado das mulheres quilombolas, indígenas, ribeirinhas, quando denunciam os projetos econômicos predatórios que liquidam suas vidas e destroem seus territórios e sua sabedoria ancestral! Defendemos a soberania brasileira, na qual possamos ter autonomia sobre a gestão dos nossos recursos naturais!
A defesa dos direitos sexuais e direitos reprodutivos com base na justiça reprodutiva e a luta pela legalização do aborto
Mantemos nosso rol de defesas intransigentes, que para nós são inegociáveis e das quais não abrimos mão de jeito nenhum! Nossa luta é pela reestruturação e ampliação dos serviços de aborto legal, pela legalização do aborto, pela descriminalização das mulheres e pessoas que abortam, pela justiça reprodutiva e pela garantia dos direitos sexuais e direitos reprodutivos!
Que as mulheres, meninas e pessoas com capacidade de gestar, em especial as negras, possam decidir se querem ou não ter filhos e, se optarem por ter, que tenham o direito de ver seus filhos crescerem com dignidade!
Pelo enfrentamento à morte materna e por uma política de saúde fortalecida, já que somos o país que acumulou o maior índice de mortalidade materna na pandemia no mundo!
Combate à pobreza e à fome e defesa de programas de seguridade social efetivos para as mulheres
Nos colocamos no enfrentamento à fome, que reflete o fim das políticas públicas nos últimos anos e está diretamente ligado à exploração das mulheres negras, que ocupam os piores cargos de trabalho no país. Denunciamos a carestia dos itens essenciais, o desemprego crescente e a crise hídrica, cenário que leva as mulheres à insegurança alimentar!
Pautamos o Fortalecimento do SUAS e do SUS, visto que muitas mulheres não têm condições de chegar à institucionalidade da seguridade social! É preciso procurar as famílias, em sua maioria de mulheres e mães solo, para incluir nos programas, sobretudo os de renda básica, de combate ao desemprego, ao subemprego e ao trabalho análogo à escravidão, que afetam, de maneira avassaladora, a vida das mulheres negras!
Defendemos uma infraestrutura social do cuidado, com creches públicas, escolas em temo integral, instituições para cuidar de pessoas idosas e com deficiência e restaurantes comunitários! Lutamos também para recuperar o Sistema Nacional Integrado de Política para as Mulheres, conversando com outras políticas de governo, como economia, trabalho, educação, saúde, entre outras!
Acreditamos que toda política de governo deve ser voltada para uma sociedade radicalmente democrática, numa perspectiva antirracista, antilgbtfóbica, anticapacitista e antipatriarcal. Destacamos também que as políticas de desenvolvimento devem ser pensadas, a longo prazo e de maneira tal que não afetem a vida e o bem-estar da nossa sociedade!
Marcamos também nossa defesa intransigente do fim do Teto de Gastos Públicos e denunciamos a terceirização do Orçamento da União, que tem sido monopolizado pelos Presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado Federal! Essa prática tem colocado as chaves dos cofres públicos em suas mãos, que se valem das manobras e barganhas mais sórdidas por intermédio desse poder que lhes é conferido!
Pelo fim da lgbtqia+fobia, lesbocídio e do transfeminicídio
Reafirmamos nossa luta na defesa dos direitos da população LGBTQIA+ e no enfrentamento à violência contra todas as mulheres, particularmente as trans e travestis, cuja expectativa de vida é de apenas 35 anos no Brasil! Por conta da transfobia, que nega a essas mulheres o acesso às políticas de educação e emprego, a maior parte delas são empurradas para a prostituição compulsória!
Marcamos nossa defesa de que as mulheres lésbicas, bissexuais, trans e travestis devem ocupar os espaços de poder, para que assim possam pautar políticas que lhes garantam o direito a uma vida digna e sem violência! Nas últimas eleições, mais mulheres LBTs foram eleitas, mas ainda são boicotadas nesses espaços de poder!
Pelo enfrentamento a todas as formas de violência contra as mulheres
A violência contra as mulheres se agravou muito nos últimos anos no Brasil. O projeto ultraneoliberal, patriarcal e racista que assaltou o poder após o golpe de 2016, banalizou a violência e cultivou o ódio às mulheres. Nunca tínhamos visto tantas ofensas e violências nas redes sociais e nas ruas contra nós, mulheres, principalmente as feministas, antirracistas e anticapitalistas, cujos pensamentos e comportamentos confrontam diretamente as estruturas que sustentam as desigualdades de gênero, raça e classe.
Os números da violência contra as mulheres são estarrecedores. No Brasil, uma mulher sofreu violência física a cada 2 minutos. A cada 8 minutos uma mulher foi estuprada e quase 60% delas tinham menos de 14 anos. O número de vítimas de feminicídio, lesbocídio e transfeminicídio cresceu assustadoramente. Em todas as situações de violência e também nos casos de feminicídio, as vítimas preferenciais são as mulheres negras, revelando que o racismo é estruturante em nossa sociedade.
Mulheres lésbicas, bissexuais, transexuais e travestis sofrem com as violências específicas que tentam impor o controle sobre sua sexualidade e suas identidades de gênero. As ameaças, os estupros corretivos, e as violências sexistas de caráter LBTTfóbico tem contribuído para o agravamento dos casos de ódio que geram mortes.
Mulheres indígenas também estão vivenciando violências, não apenas sobre seus corpos, mas também sobre seus territórios e suas culturas. Combater de forma irredutível e inegociável a violência contra mulheres indígenas é fundamental.
Por uma democracia feminista, antirracista e antipatriarcal
Entendemos que a queda de Bolsonaro é o início do fim do bolsonarismo, que pode ainda permanecer ativo em outras instâncias durante algum tempo. A democratização da comunicação é uma das providências urgentes, para enfraquecer e derrotar o bolsonarismo, que tem na desinformação uma de suas estratégias de comunicação.
Pautamos também a reforma do sistema político, para que possamos ter presença não somente nas candidaturas proporcionais, mas também nas majoritárias, com paridade de gênero e raça nas chapas e também no acesso aos recursos de campanha!
Denunciamos e combatemos a violência política de gênero. Pesquisas mostram riscos para mulheres na política, em especial mulheres negras e trans! Pautamos também as dificuldades de mulheres se candidatarem, se elegerem e exercerem seus mandatos, tendo que disputar tempo de fala em TV, espaço dentro dos partidos, entre outras violências!
Demarcamos nossa posição antipatriarcal, antirracista e anticapitalista, com participação popular, e defendemos o compromisso do governo com as deliberações das conferências e conselhos municipais!
Defendemos uma democracia feminista que nos acolha em nossa diversidade e que nos reconheça como seres de direito e como cidadãs e que tenhamos espaço nas decisões de poder!
Estamos comprometidas com as candidaturas de mulheres feministas, principalmente mulheres negras, indígenas, lésbicas, trans e travestis que sejam alinhadas com a defesa dos nossos direitos e que se identifiquem com o feminismo antissistêmico!
Entendemos que a construção política não se limita ao apoio durante as campanhas, mas que deve continuar nos mandatos e na gestão das cidades! Precisamos estar dentro dos espaços de poder com a linguagem feminista e popular!
Plenária Nacional AMB. Recife, 21 de agosto de 2022.