Carta da Agenda Nacional pelo Desencarceramento à Xuxa
A carta recebeu ao todo 502 assinaturas de organizações, associações, coletivos, entidades, fóruns, frentes e mandatos e em 30 horas mais de 1031 assinaturas individuais de todo o Brasil.
A Agenda Nacional pelo Desencarceramento, composta por dezenas de organizações, movimentos, coletivos e associações de familiares de pessoas privadas de liberdade, vem, por meio desta, manifestar o seu mais veemente REPÚDIO ao racismo e classismo estrutural manifestado por meio da narrativa apresentada por Xuxa Meneghel, no dia 26 de março de 2021, na live sobre direitos do animais, veiculada no perfil do Instagram da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (ALERJ).
Na ocasião, a Xuxa Meneghel defendeu que produtos e cosméticos não fossem testados em animais, mas sim nas pessoas que estão privadas de liberdade, tendo em vista que os seus corpos e “vidas serviriam para alguma coisa antes de morrer”. Consciente da desumanidade da afirmação, ainda se refere ao “pessoal dos direitos humanos” de forma pejorativa, fortalecendo a lógica disseminada de que os Direitos Humanos não são para todos e todas.
Atualmente, o Brasil possui a terceira maior população carcerária do mundo com um déficit de 303 mil vagas. 70% é composta de pessoas negras e mais de 40% não foi sequer julgada pelo Poder Judiciário. Necessário lembrar que o sistema de justiça opera de forma seletiva, tendo o racismo como estruturante de suas determinações, que termina por encarcerar pessoas negras, indígenas e pobres, “suspeitas” de terem cometido crimes, em sua maioria, sem violência ou grave ameaça. Não podemos esquecer que no país cujo sistema escravocrata durou 350 anos, não há como compreender separadamente raça e classe, tendo em vista que 78% entre os mais pobres da população são negros e negras, o que significa que a grande maioria destas pessoas compõe a parcela mais afetada pelas desigualdades étnico-raciais e sociais existentes na sociedade e que têm essas realidades aprofundadas ao vivenciarem o cárcere.
Não tem nada de novo no discurso de Xuxa, e muito menos, podemos analisá-lo enquanto um fato isolado. Trata-se de uma reprodução da lógica racista que forja a nossa sociedade, que se atualiza através das supostas teorias do “racismo científico”, que tomam corpo do século XIX, e que são as bases para a construção do sistema de justiça criminal e das instituições totais – como os presídios e manicômios – tal qual conhecemos atualmente. Xuxa, na live, apenas dá uma nova roupagem para as teorias de Lombroso, Nina Rodrigues, e tantos outros que a partir de uma suposta “cientificidade” construíram perspectivas eugenistas que desumanizam e violentam pessoas negras, que buscam “justificar” as testagens de medicamentos naquelas que estão privadas de liberdade, que são tidas como loucas, que possuem alguma deficiência, que são LGBTQI+.
Esse tipo de manifestação colabora para a criação de um “senso comum” que não considera essas pessoas enquanto humanas, enquanto sujeitas de direito, que devem ter sua dignidade humana respeitada – como determina a Constituição Federal do país e tantas outras normativas internacionais vigentes. Além disso, fomenta uma cultura de ódio às defensoras e defensores de direitos humanos, que estão sob constante ameaça, sofrendo perseguições, violências e processos de criminalização.
Por isso, entendemos que é urgente não apenas repudiar o discurso de Xuxa, mas garantir processos de reparação, que gerem consciência social sobre tudo que está em jogo quando falamos sobre essas questões, que operacionalizem políticas de não repetição. E isso precisa ser construído nos termos de quem é diretamente impactado pela lógica que o discurso de Xuxa propaga.
Diante disso, a Agenda Nacional pelo Desencarceramento vem solicitar:
1) A retratação pública com dados sobre o perfil das pessoas em situação de cárcere, relatando os problemas estruturais e violações presentes no sistema prisional;
2) Divulgação da Agenda Nacional pelo Desencarceramento e dos pontos da agenda;
3) Doação de 40.000 cestas básicas e kits de higiene para familiares das pessoas em situação de cárcere;
4) Que Xuxa participe de rodas de diálogo com familiares de pessoas em situação de cárcere, promovidas pela Agenda Nacional pelo Desencarceramento;
5) Que Xuxa ceda suas redes sociais para as Frentes Estaduais pelo Desencarceramento uma vez por semana durante o período de um ano.
6) Que a Fundação Assistencial Angélica Goulart, anteriormente chamada como Fundação Xuxa Meneghel, garanta 10% das suas vagas para pessoas que sobreviveram ao sistema prisional e jovens que passaram pelo sistema socioeducativo;
7) Que a Fundação Assistencial Angélica Goulart, anteriormente chamada como Fundação Xuxa Meneghel articule uma campanha para que empresas privadas contratem pessoas sobreviventes do cárcere e jovens que passaram pelo sistema socioeducativo.
Agenda Nacional pelo Desencarceramento